É uma ficção
Tinha planeado escrever algo sobre história e arte e museus. Qualquer coisa que envolvesse o valor que uma comunidade confere a um objecto
(que mesmo que não seja artístico ganha esse valor com o tempo histórico)
. E sendo eu uma pessoa com uma personalidade quase-aditiva
(que gosto mais de rotinas do que de as quebrar)
, é muito raro não seguir o meu plano. Mas tenho a rotina, não a prioridade. E a prioridade hoje é para não seguir sobre a história e sobre a arte e sobre os agregados museológicos.
A prioridade é uma reflexão sobre a diferença entre literatura e ficção
(tal como a li uma vez num ensaio que por uma ou duas vezes citei mas que não era assim tão importante quanto isso)
. Disseram-me para não me meter nessas aventuras porque isso era uma discussão que os ingleses
(ou anglo-saxónicos nunca me consigo recordar das coisas importantes. são coisas que nos momento me parecem pouco importantes mas que depois embalam ideias)
gostavam muito de ter, não os portugueses. Alguns meses mais tarde tenho uma proximidade extremamente íntima com a realidade britânica
(e nunca essa discussão me pareceu mais pertinente)
. As pessoas compram livros para entretenimento
(e sustenho também a teoria e ideia pessoal de que as pessoas no reino unido só compram livros porque têm que passar muito tempo em transportes públicos)
, o que é uma razão tão válida como o prazer de ler para pensar. A discussão existe porque distingue a comunidade que lê para passar o tempo nos transportes públicos enquanto se desloca entre casa e o trabalho
(a mesma comunidade que lentamente substitui o livro pelo ipod com vídeo)
e a comunidade que lê pelo prazer de se cultivar. São estas comunidades e os valores
(e juízos de valor)
que as assistem que, naturalmente e dentro das suas contingências culturais
(que são comuns ou caso contrário não seriam comunidades)
, determinam essa diferença. E os objectos a que se referem até podem ser os mesmos, simplesmente são encarados de modos diferentes
(porque não estamos a falar de características intrínsecas aos objectos em causa obras mais do que livros mas sim às características que as comunidades lhes atribuem)
pelas comunidades em causa.
Mas compreendo que me quisessem afastar desta discussão
(especialmente se quem me exorta acredita que não há literatura sem ficção. ora bem pois eu acho que há)
porque talvez na altura não estivesse preparado para reflectir sobre isso. Agora, disse o que tinha a dizer.