Mas se eu já não sei escrever sobre mim dessa maneira
Fiquei a pensar sobre o diário pessoal e o diário intelectual e não tenho dúvidas nenhumas sobre aquilo que o meu blogue é
(um diário intelectual)
. Aquilo que pode parecer pessoal naquilo que escrevo é apenas a minha contingência cultural
(não subjectividade como alguns argumentariam contingência)
, o somatório de todas as minhas experiências e do meu passado cultural, religioso e político
(sinto que já escrevi esta frase aqui noutra ocasião por outra razão semelhante mas já não me recordo. talvez queira dizer que sou coerente)
. Tento então deixar de lado algo a que me habituei a fazer, um relato simples do meu pensamento, umas vezes mais linear do que outras ou com mais ou menos ligações. Li, algures, que só conseguimos evoluir
(como desprezo este raciocínio metafísico que está sempre tão presente nos relatos pessoais na balbúrdia emocional em que todos vivemos com mais ou menos noção disso)
quando nos colocamos, constantemente, em posições desconfortáveis
(isto é para mim uma grande treta)
. Mas pode ser aplicado ao trabalho artístico, pode ser elevado a um plano abstracto mais do que ficar apenas ligado à contingência de cada indivíduo.
Hoje
(terça-feira)
fui trabalhar e não choveu. Entrei às nove e meia e saí às seis.
Hoje
(quarta-feira)
fui trabalhar e choveu muito e depois fez sol. Entrei às oito e saí às quatro e meia.
Hoje
(quinta-feira)
fui trabalhar e estava só nublado. Entrei às onze e saí às sete e meia.
Hoje
(sexta-feira)
fui trabalhar e não me lembro que tempo fazia. Entrei à uma e quarenta e cinco e saí às dez e um quarto.
Hoje
(sábado)
fui trabalhar e chuviscou o dia todo. Entrei às nove e meia e saí às seis.
Hoje fui trabalhar. Foi uma manhã de Domingo em que choveu imenso, o dia todo, sem parar. E com a loja fechada distribuía livros. E enquanto, tantas outras pessoas dormiam e tomavam o pequeno almoço eu dispunha livros nas estantes da maior livraria de Londres. Alguém tinha posto a banda sonora do “Fabuleux Destin d'Amélie Poulain”. Eu sei que Londres nuca será Paris, com ou sem chuva, mas que naqueles cinquenta e sete minutos de solidão reencontrei a magia que há muito tento esconder com o meu falso cinismo e cepticismo
.