Fantástica Gramática Automática
Friday, November 11, 2005
  Algures em Lisboa há uma camisola azul perdida
Há dias que aprecem multiplicar-se em muitos mais e quando julgamos ter passado dois, três, quatro dias passou apenas um, como se as horas se tivessem multiplicado ou o tempo dividido diminuído ou abrandado. Tenho a noção que os últimos dias passaram por mim sem que eu tivesse conseguido assimilar aquilo que deles tinha que retirar, mas isso talvez tenha acontecido porque não tinha nada a retirar deles. Sei que era o meu corpo que me doía, sei porque ainda tenho as marcas marcadas a negro na pele, vergões escuros.
Quando terminou, o saldo era uma camisola azul perdida. Quando fiz questão em tê-la, estranharam-me porque era só uma camisola azul escura lisa. Disseram-me que eu lhe tinha amor, que era da sorte, disseram-me que me lembrava de ocasiões especiais. Disseram-me muitas coisas, muitos símbolos que a camisola tinha para mim. E não era nada disso, era só uma camisola confortável igual a muitas que tenho por casa. Não compreendi a necessidade de a tornarem tão importante. E quando tentei explicar que não era importante, perguntaram-me então porquê tamanha preocupação. Porque sim, porque não posso andar a comprar roupa sempre que alguém faz desaparecer uma camisola minha; o que mais me deixou danado é a falta de cuidado do que propriamente a baixa da camisola.
Ficaram com o meu número e prometeram ligar-me assim que a encontrassem, com a maior urgência, porque para eles a camisola para mim era-me muito querida, que era da sorte, disseram-me que me lembrava de ocasiões especiais. Disseram-me muitas coisas, muitos símbolos que a camisola tinha para mim. E no entanto não era nada dessas coisas. Já disse que foi a falta de cuidado que me deixou aborrecido?

Segunda-feira ligam-me.
Pois sim, até já.
 
Comments:
Houve um tempo em que perdia coisas atrás de coisas... Não tinham significados importantes, apenas gostava delas e queria continuar a usá-las. A certa altura impus-me a obrigação de não mais perder coisa alguma; o truque foi fácil, bastou passar a comprar só coisas absurdamente caras. Nunca mais perdi nada! Nem um simples chapéu-de-chuva...
Marina
 
eu continuo a perder coisas de vez em quando...fico tão zangada comigo mesma! porque gosto muito delas, escolho-as com cuidado, só compro roupas pelas quais sinto paixão furiosa ao primeiro olhar e que me fiquem realmente bem. Por isso o drama...
 
Sim. Já tinhas dito que "foi a tua falta de cuidado que te aborreceu...; mas podes (e deves, se isso te faz mais feliz) dizê-lo mais vezes.
Espero que a camisola azul perdida algures em Lisboa, desorientada, não se tenha posto a caminho da Chamusca e esteja agora em plena lezíria e a ser atacada por algum touro adepto do Benfica.
A última coisa mais valiosa que perdi (há cerca de duas semanas) foi um pente. Era aquilo que se chama um objecto de estimação e já vinha do meu bisavÕ Efigénio. Já lhe faltavam três dentes mas era só com ele que me penteava. Acho que o deixei no café do Aristides, porque quando lá bebo a bica e dou uma olhadela ao Correio da Manhã (só as gordas, só as gordas, que não sou de grande instrução) costumava dar um jeito ao cabelo quando entrava alguma garina. O gajo (o Aristides) deve ter amandado o pente pró lixo. Por vingança. Por eu não fazer mais despesa além do café. O miserável...
 
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