Folhas
Há pouco tempo atrás estava muito vento. Da janela via a chuva que caia com força, o vento que abanava as árvores, como se as quisesse acordar de um longo sono, de um sono pesado. Caíam folhas, enchiam os passeios, os carros, os largos de um desespero vazio e domingueiro
O velho varria o passeio em frente à sua moradia; estava vestido com um fato completo, um fato castanho de Domingo. Numa figura relativamente alta, mexe-se ao sabor da vassoura e das folhas e do vento, mexe-se combatendo a idade, não querendo ver a inutilidade dos seus movimentos. Num fato formal varre as folhas em frente à sua moradia. E mal vira costas, as folhas voltam a cair no sitio de onde ele as tinha varrido, qual criança travessa que deita a língua de fora depois de lhe terem ralhado. Volta-se para trás e vê o seu trabalho destruído por mais uma nortada. Olha as árvores, olha o passeio. Retoma os movimentos dentro do fato castanho formal, varre as folhas de um lado para o outro, mantendo a sua parte do passeio limpo. O vento é violento agora e desafia-o, revolta-lhe os ralos cabelos. A porta de casa abre e uma senhora toca-lhe num gesto de chamada. Com brusquidão vira-lhe as costas e retoma o trabalho com uma energia trémula, uma energia fugaz. Já tem as faces coradas e o seu respirar ofegante sopra mais forte que o vento. Num momento desequilibra-se e parece que vai cair, mas encosta-se ao murete. Deixa cair a vassoura e volta para casa.
A chuva bate com força nas janelas, abafa os outros ruídos. O chuva cai por toda a cidade e encontra-a vazia de pessoas, encontra-a sem ninguém; encontra nas ruas um reflexo cinzento do alcatrão e calçada das ruas, um céu pesado que parece querer cair a cada momento. Há no ar um peso opressivo, um ar de metais pesados que entra dentro dos pulmões, que nos esmaga por dentro, que nos toldas a vista e o pensamento, que embebe os pensamentos.
A casa está quente. Abro a janela, debruço-me o mais que posso, até me encontrar num ponte de equilíbrio precário. Sinto a chuva e o vento a baterem-me na cara, sabe bem o fresco, sabe bem a violência da rua. Recolho-me para dentro, olho a rua e o velho que voltou a varrer as folhas.