Fantástica Gramática Automática
Wednesday, October 11, 2006
  O vendedor de livros
O título à partida sugere algo muito romântico. Não o romantismo de Júlio Dinis ou de outros que tais. O romantismo de algo belo, de uma fantasia colectiva, de algo que todos nós gostaríamos de experimentar pelo menos uma vez. Vender livros, conhecer livros, recomendar livros, sentir o cheiro dos livros. Os livros.
(Ainda me ocorre que o título pode ser tão belo quanto a Tenda dos Milagres do Jorge ou The Old Curiosity Shop do Charles. Mas não é: fica apenas como algo que poderia ser mas não é, uma fantasia que não passa disso.)
Acabei numa livraria a vender livros que não gosto e que não vou ler. E se os li, foi por acaso. Por estas e por outras é que já – e ainda tenho muito poucos anos – me acusaram de arrogância intelectual e me tentaram ofender com uma cuspidela falada: intelectual! Obrigado pelo elogio.

É, no entanto, bom poder estar no meio de muitos livros. Porque conhecemos mais ainda. Conhecemos aquilo que as pessoas querem ler e percebemos que as pessoas lêem aquilo que lhes dão para ler: há, por exemplo, editoras que se especializam em livros de conspiração contra deus, diabo, anjos e arcanjos. Mais, se tiver uma qualquer destas palavras escritas na capa, é sucesso garantido. Ou sexo: a vida sexual das rainhas que eram virgens, ou da Leonor Teles ou uma qualquer revelação bombástica que desvende segredos de alcova e comborças. Entenda-se que detesto a palavra “bombástica”, mas para o efeito não havia outra que caísse melhor no contexto; às vezes temos que nos sujeitar àquilo que o texto pede e não ao que pretendemos fazer dele.
Certo, mas se comecei no romantismo de trabalhar numa livraria, de ser vendedor de livros, não quero mostrar as facetas mais desencantadas: como a possibilidade de a curto prazo ter varizes.
Interessa que os livros são a razão pela qual eu tenho comida no prato e um passe para passear na zona 1 de Lisboa. Porque sendo Lisboa uma enorme metrópole houve a necessidade de criar duas zonas. Ainda que a segunda comporte apenas três estações de metro, entenda-se, Odivelas, Alfornelos e Amadora Este. E esta?, diria o saudoso!
Mas os livros são a minha razão de viver, pois sem eles passava fome.
Mas várias são as formas em que os livros passam na minha vida: etiqueto-os, desmagnetizo-os, embrulho-os, vendo-os. Nada mais. Já não olho para eles e as capas parecem sempre ocultar vazios que eu não quero ler. Li há dias, num blogue, que se tem que começar pelos clássicos e só depois os outros. No caso de pouco se viver, que venham só os clássicos. Está bem, venham os clássicos. Não que pretenda pouco viver, mas porque é por aí que devo começar. Não tenho, devo. Sempre fui muito bem mandado.

Mas a beleza de uma livraria podia ser o seu espaço. Um alfarrabista que sabe mais de livros que de amor. E eu que pouco se de um e nada sei dos outros. Apenas os preços, os descontos, os destaques e o top. E o leitor. Esse, desde que pague, até pode fazer a colecção da Enid Blyton aos trinta anos. Ou do Evelyn Waugh.
De lado ficam a Tenda dos Milagres com os riscadores e mestres de capoeira e The Old Curiosity Shop com um cheiro indizível, em detrimento de um centro comercial com ar condicionado.
 
Comments:
eu tenho medo de ler os clássicos mas não me importava que fossem os livros que me colocassem comida na mesa mas não sem antes me alimentarem primeiro a alma
 
Já descobri alguns clássicos, mas ainda tenho muito que explorar nesse campo. Apesar de menos romântico do que deveria, estar perto de livros é sempre bom...
 
... dos livros que li, conheço-lhes as entranhas. É estranho (mas real... e banal) possuirmos um livro. Entro na livraria e assim como quem não quer a coisa digo ao livreiro (será este o termo correcto?) «Levo este. Não, não embrulhe que é para ler já!». Pago e não descanso enquanto não chego a casa. Aí, sento-me e afago-lhe a capa para avaliar da sua durabilidade ou consistência. Depois, com algum cuidado, abro-o. Ao lê-lo, tomo conta do seu interior. Há quem o faça de um fôlego e afirme ufano «Despachei-o em três horas!». Prefiro saborear as palavras quase uma-a-uma; tomar o gosto desde o "dedicado a... " até chegar ao fim exausto do prazer de ler. Dos livros que hei-de ler... é uma questão de tempo. E de voltar à livraria.
 
... escrevi um comment que não apareceu e lá se foi o pormenor que é sempre o melhor de qualquer ideia. Tornar a reescrever o que foi escrito não contando que iria desaparecer, tentando memorizar palavra-a-palavra é uma empresa danada...

Era sobre uma livraria onde nunca entrei. De um espaço que não conheci. De livros que não afaguei. Dos prefácios a que não dei uma vista de olhos Do título que não escolhi. Das palavras que não disse ao livreiro; «Levo esse. Não, não é para embrulhar. É para ler já.» Não disse. Por isso não li. Tenho de voltar a essa livraria onde nunca entrei.
 
... afinal o comment apareceu. Mais tarde. Mas depois de escrever um segundo comment. O que me deixa numa posição delicada. Será que recriei esta cena? E se sim, porque meti os pés pelas mãos, que disse e desdisse aquilo que escrevi antes e depois. Sabe-se o que acontece nestes casos. Passa-se por mentiroso; nunca por criativo. Tenho mesmo de ir à livraria para enterrar de vez este caso...
 
Pois eu gosto de livros e de ler o que me apetecer. seja clássico ou não. Preciso de livros sempre, não importa quais.
 
... finalmente tive um pedaço de tempo e lá fui à livraria. Enterrei definitivamente este caso; estava a ver que nunca mais era...
 
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