O vendedor de livros
O título à partida sugere algo muito romântico. Não o romantismo de Júlio Dinis ou de outros que tais. O romantismo de algo belo, de uma fantasia colectiva, de algo que todos nós gostaríamos de experimentar pelo menos uma vez. Vender livros, conhecer livros, recomendar livros, sentir o cheiro dos livros. Os livros.
(Ainda me ocorre que o título pode ser tão belo quanto a Tenda dos Milagres do Jorge ou The Old Curiosity Shop do Charles. Mas não é: fica apenas como algo que poderia ser mas não é, uma fantasia que não passa disso.)
Acabei numa livraria a vender livros que não gosto e que não vou ler. E se os li, foi por acaso. Por estas e por outras é que já – e ainda tenho muito poucos anos – me acusaram de arrogância intelectual e me tentaram ofender com uma cuspidela falada: intelectual! Obrigado pelo elogio.
É, no entanto, bom poder estar no meio de muitos livros. Porque conhecemos mais ainda. Conhecemos aquilo que as pessoas querem ler e percebemos que as pessoas lêem aquilo que lhes dão para ler: há, por exemplo, editoras que se especializam em livros de conspiração contra deus, diabo, anjos e arcanjos. Mais, se tiver uma qualquer destas palavras escritas na capa, é sucesso garantido. Ou sexo: a vida sexual das rainhas que eram virgens, ou da Leonor Teles ou uma qualquer revelação bombástica que desvende segredos de alcova e comborças. Entenda-se que detesto a palavra “bombástica”, mas para o efeito não havia outra que caísse melhor no contexto; às vezes temos que nos sujeitar àquilo que o texto pede e não ao que pretendemos fazer dele.
Certo, mas se comecei no romantismo de trabalhar numa livraria, de ser vendedor de livros, não quero mostrar as facetas mais desencantadas: como a possibilidade de a curto prazo ter varizes.
Interessa que os livros são a razão pela qual eu tenho comida no prato e um passe para passear na zona 1 de Lisboa. Porque sendo Lisboa uma enorme metrópole houve a necessidade de criar duas zonas. Ainda que a segunda comporte apenas três estações de metro, entenda-se, Odivelas, Alfornelos e Amadora Este. E esta?, diria o saudoso!
Mas os livros são a minha razão de viver, pois sem eles passava fome.
Mas várias são as formas em que os livros passam na minha vida: etiqueto-os, desmagnetizo-os, embrulho-os, vendo-os. Nada mais. Já não olho para eles e as capas parecem sempre ocultar vazios que eu não quero ler. Li há dias, num blogue, que se tem que começar pelos clássicos e só depois os outros. No caso de pouco se viver, que venham só os clássicos. Está bem, venham os clássicos. Não que pretenda pouco viver, mas porque é por aí que devo começar. Não tenho, devo. Sempre fui muito bem mandado.
Mas a beleza de uma livraria podia ser o seu espaço. Um alfarrabista que sabe mais de livros que de amor. E eu que pouco se de um e nada sei dos outros. Apenas os preços, os descontos, os destaques e o top. E o leitor. Esse, desde que pague, até pode fazer a colecção da Enid Blyton aos trinta anos. Ou do Evelyn Waugh.
De lado ficam a Tenda dos Milagres com os riscadores e mestres de capoeira e The Old Curiosity Shop com um cheiro indizível, em detrimento de um centro comercial com ar condicionado.