Fantástica Gramática Automática
Os homens e as mulheres preferem as loiras
Vi hoje uma mulher de cabelo claro, pele clara, olhos claros
(trazia em cima da pele um sobretudo branco sapatos brancos tudo adornado com uma mala branca. o cabelo apanhado atrás com um travessão branco)
. Não seria esta a imagem de um anjo
(não)
? A alvura da imagem transmitida é apenas uma idiossincrasia cultural quando a ela associamos pureza. Embora as cores
(como tudo o resto)
sejam apreendidas em relação com outras cores, o passado cultural ocidental associa a cor branco a algo puro e a cor preto a algo maculado
(a dialéctica cromática entre preto e branco em uma origem cultural e não deve ser encarado em momento algum como algo definitivo)
.
Lorelei Lee
(personagem interpretado por marilyn monroe em os homens preferem as loira)
é o exemplo acabado. Adolf Hitler e Marylin Monroe, em medidas diferentes mas em muito semelhantes, encontravam-se em pé de igualdade. A ideia da raça
(ou mulher)
loira codifica a raça pura
(ou mulher)
, em que loira tem o mesmo valor que virgem. Ou seja, quando Hitler falava da supremacia ariana, da raça pura, não falava apenas da supremacia genética, mas também da supremacia moral
(e o paradoxo encontra-se naquilo que foi feito em nome da supremacia qualquer que fosse ela)
.
Marilyn Monroe. A mulher que era morena e quis ser loira. A ideia de que as mulheres pintam o cabelo de loiro para agradar aos homens
(que provavelmente foi tida por um homem)
diz respeito a uma pulsão psicológica mais profunda, associada à beatitude angelical da mentalidade ocidental-cristã, com a concepção imaculada
(o desejo inconsciente ou não reconhecido e assumido de para sempre ser e permanecer virgem)
. E os homens olham para as loiras como sendo mais virgens.
Juiz
Quando não tenho resoluções de ano novo porque tudo é bem maior do que doze e nunca demoro apenas um segundo a formular e verbalizar mentalmente as complicações que gostava de ver descomplicadas e os desejos que gostava de ver realizados. Mas esperar que uma força mística me socorra sempre sempre foi umas das minhas características dominantes
(embora seja um céptico por natureza)
tal como a objectividade não real. Há algo de flânerie no meu modo de viver, na prodigiosa imaginação que me assiste nas horas mais escuras da minha presença física, das quais necessito ser arrancado e religar à realidade
, atravessando esses momentos imaginando-a de modo alternativo, elevando o chumbo a um metal menos pesado.
Decidi
(em favor da minha coerência mesmo que esta apenas seja revelada pela minha constante incoerência)
que devia evitar ao máximo os juízos de valor. Auto-impor-me um treino que, aplicando-o diariamente
(ainda que este seja passado no espaço assistido pela minha auto-proposta pródiga imaginação)
teria resultados no meu trabalho. Porque não sendo eu bom
(nem sequer razoável)
nas minhas capacidades analíticas, acredito que aquilo que não se obtém com talento obtém-se com trabalho e treino. Esforço.
Saio, portanto, do espaço imaginário
(porque nesse eu sou mesmo muito bom e já sou saltei por cima do processo)
para me encontrar na desconfortável posição da inépcia reconhecível, da ignorância. Quantas vezes não penso sobre a minha ignorância
(tantas quantas com modéstia falseada)
por oposição ao saber. Saber como acto inacabado e continuado no fluxo histórico. Fascina-me e toca nas minhas pulsões o saber. Saber-me gostado por saber
(mas confronto-me com o que não sei angustiando-me que no final o somatório será sempre inferior àquilo que desejaria para mim)
.
Evitar os juízos de valor não me trará mais sabedoria, dar-me-á uma poderosa ferramenta que, espero, me ajudará a saber mais.
A simbiose
Não merece a ocasião o desenvolvimento da relação simbiótica entre o crítico e o produtor
(e se acreditarmos na morte do autor como parte do produtor e que este cancro a ele se estenda)
, ou entre o crítico e o produto. Ou entre a crítica e o produto? Não merece a ocasião (escrevia já eu umas linhas acima ou parágrafos se contarmos com este hábito mau de saltitar)
.
Mas devido à conjugação de uma casa de leilões e muito trabalho para uma empresa de mudanças e ao ócio mental que o meu novo trabalho me proporciona, devolvo as ideias ao problema.
Parece-me ser, a instituição, o conceito-chave
(o produtor ou o produto como instituição)
.
decido-me por personificar. Nem isso, metonimizar
(crítico por crítico e crítica e produtor por produtor e produto)
. Devolvo-me à nascente, toda a arte é conceptual, caso contrário não seria arte. Aquilo que separa o mesmo produto produzido por dois sujeitos diferentes
(notem o uso de sujeito já que um deles vai ser produtor e outro não)
: um que desenvolve um conceito ao longo de um processo e chega a um produto final que é a soma; outro que desde logo obtém um produto final e tenta, posteriormente, o conceito. Produtor e sujeito #n, respectivamente.
Isto é a instituição
Mas a instituição é também reconhecida por envolver mais factores, entre eles o crítico. Produtor e crítico funcionam em simbiose dentro da instituição. No momento em que o produtor produzir algo que não é conceptual, na ânsia de criar uma narrativa, de interpretar, de compreender, o crítico completa o trabalho do produtor
(este movimento fomenta a manutenção do produtor e do crítico que cambiam de função de modo a concentrar poderes)
. O mesmo não acontecerá com um produtor que esteja fora da instituição
(embora um qualquer produtor faça sempre parte de uma qualquer instituição)
, uma vez que a instituição é uma forma exclusa.
(É redundante e há muito discutido e provado)
mas o produtor e o crítico necessitam-se. Cada um valida o trabalho do outro.
O plágio da minha humilhação ou O acto de contrição outra vez
.
Informação
Depois sinto-me assim, autista
.
Em forma de narrativa com a sinalética completa,
Estava, há uns dias atrás. sentado numa sala. Era uma sala como outra sala qualquer, com motivos decorativos. Uma sala onde as pessoas bebem café, comem refeições ou apenas bolos. Podem até beber chá, e bebem toda a água que quiserem que não se paga. Não gosto desta sala. Tem história suficiente para fazer a minha idade seis vezes: foi café, galeria e há dois anos atrás, já eu tinha entrado nos vinte há três, voltou a ser café. Estava lá e sempre que olhava para as paredes, para o tecto, para as colunas. Tudo cheio de símbolos, misturas de texturas justapostas de classicismo, renascimento e neo-classicismo. De cada vez que olho canso-me, demasiado. Bloqueio e concentro-me no palato e no café.
Há vários arcos no café que dão para um corredor que dá para um jardim onde no Verão algumas crianças nadam nuas e pedófilos pedofiliam.
O jardim tem relva, um lago no meio, um café no canto nordeste e no canto sudoeste e nestes dias uma instalação de painéis verdes que simulam um jardim chinês. Esconderijos para os pedófilos pedofiliarem as crianças que nadam nuas. Decido que gosto mais do jardim do que da sala clássica, renascentista e neo-clássica. Não tenho o sentimento autista
. Mas depois sinto-me assim, autista.
O quase sobre escrito
, ainda estou agoniado com a genialidade. Não consigo lidar com estas emoções.
Virgindade: da presença ou da ausência
“Ah, virginity,” mused Angelica. “What is it? A presence or an absence? The presence of a hymen or the absence of a penis?”
– David Lodge in “Small World”