Fantástica Gramática Automática
Wednesday, November 29, 2006
  A tendência do fado
Uma vez tentei ler mais do que um livro ao mesmo tempo, que era como ver televisão mudava-se de canal
(zapping)
e já estávamos noutra. Não consegui e achei que era parvo. Hoje estou a ler três livros ao mesmo tempo
(ou serão mais)
(ou serão menos)
(e porquê isso agora, tantos floreados para chegar aonde quero chegar)
e continuo com a mesma inteligência que tinha quando tentei ler dois livros ao mesmo tempo e não consegui. Talvez menos ainda, porque sim
(sem justificações.)
Mas como não é isso sobre o que quero escrever não escrevo mais sobre isso e pulo rapidamente para o que quero dizer, evitando uma extensa introdução cheia de parênteses que copiei de um livro que estou a ler e dentro dos quais me sinto confortável
(eu).
E ainda acho que sou meio parvo, mas outras coisas mudaram. ? Não interessa
(já disse.)

Tive o Verão inteiro
(a passar frio e a fazer amor o que não me deixava ter tanto frio quanto isso)
para descobrir que nunca poderia só escrever como ambicionei. Pior que isso tudo foi ter chegado a meados
(quase fins)
de Novembro para o conseguir compreender. Foi através de uma conversa de café depois de almoço, antes de ir trabalhar
(era o segundo dia de trabalho e eu já pensava que me iria despedir
eventualmente)
, em que tinham pago o almoço e agora
(no momento, se não fica anacrónico)
me tinham acabado de pagar o café e ofereciam um cigarro Gigante,
Gosto do Paul Giamatti
(o gajo gordo e barbudo)
como actor; fui ver o Lady of the Water, Eu também gosto dele
(repliquei)
especilamente no American Splendor, Eu também gostei muito desse.
Fiquei a pensar no Harvey Pekar e num diálogo do filme,
(que por acaso não sei, apenas a paráfrase já com a minha tradução,
- Tu precisas de trabalhar, porque é daí que tiras as ideias para escrever. Mesmo que o dinheiro não te faça falta, precisas de trabalhar. É por isso que nunca deixaste blá blá blá.)
e cruzei estes dados com algo que tinha lido sobre os Carlos Paredes: ao longo da sua vida nunca deixou de trabalhar onde quer que fosse
(mas sei que era para o estado, porque)
assumiu-se sempre como um funcionário público e não como guitarrista/compositor. Porquê? Porque se tiver que explicar o resto estou a insultar a inteligência de quem estiver a ler.
É a minha tendência para o fado e banda desenhada. A necessidade de me embebedar com a vida dos outros
(agora vou ser directo e falar sem adjectivos e metáforas)
para poder escrever. Senão caio na flânerie baudelairiana e não faço nada e
(sou um anónimo na multidão que se afasta à minha passagem e conheço as ruas e depois do
- Bom dia
- Boa tarde
- Boa noite)
sou eu vazio. E por isso nunca serei um escritor a tempo inteiro,
«Aceitam part-times?»
 
Friday, November 24, 2006
  O reflexo da morte
Hoje sou muitas pessoas e não tenho idade
(talvez a ingenuidade dos cinco anos
e a perversão de um velho perro.
Hoje não sei quem sou e desdobro-me em tantas pessoas que não caibo em mim hoje.)
Hoje é um espelho,
(…) espelho, superfície duas vezes enganadora porque reproduz um espaço profundo e o nega mostrando-o como mera projecção, onde verdadeiramente nada acontece, só o fantasma exterior e mudo das pessoas e das coisas, árvore que para o lago se inclina, rosto que nele se procura, sem que as imagens de árvore e rosto o perturbem, o alterem, lhe toquem sequer.
Hoje é um espelho.
Hoje é também um cigarro fumado
entre escarros e palavrões
na paragem do autocarro à espera do autocarro e na varanda inundada com o pijama molhado
(as luzes da ponte e o convento do Beato).

Nunca fui a um funeral Os corpos metidos na terra É um desejo brutal Calar a velha que berra. Hoje também me lembrei disto. Já acompanhei corpos e fui a velórios, mas não a funerais. E mãe dele que se enfrascou de barbitúricos e cerveja e o pai dela que se enfiou num sobreiro,
(E quantos tantos terei eu que enterrar?)
Lembro-me dos ciganos a chorar. É sempre uma imagem brutal
“(Calem-se que ainda vos ouço a chorar em punjabi e magiar!)”
assim como as crianças que forçam o choro para chamar a atenção sobre si. Choravam na morgue do hospital quando um morria. E depois não sei onde o enterravam, mas as vozes ficavam muito tempo a escorrer pelos ouvidos com a liquefacção lacrimejante forçada.
Não se chora em magiar. Suporta-se: há uma aura trágica, de heróis que os envolve. Ficam inertes e passivos e não choram
(eu podia ser magiar porque não sei chorar)
como eu, que quando chorei pela primeira vez numa porrada de anos
– e para voltar a chorar foi preciso levar uma carga de porrada –
(e ninguém me pousou mão em cima)
fui-me ver ao espelho para saber se estava a chorar bem. Cubro-me de ridículo e mais que um herói trágico
Heleno helénico irmão de Cassandra
era um personagem medíocre e simplório armado ao pingarelho e a defender que os homens choram mas sem conseguir verter um pingo de vergonha. E acabei a correr do quarto para a casa de banho grande, onde está o espelho onde costumo rapar a cara.
 
Wednesday, November 22, 2006
  A pragmática dos ignorantes
Estava a ouvir um conversa e não me apetecia participar. Ultimamente tem-me apetecido mais ficar calado do que falar. Acho que me cansei da minha própria voz, ou da labrega ingenuidade das minhas afirmações. Deixei-me estar a ouvir e era assim,
Um euro é um euro e um cêntimo é um cêntimo. Tu podes fazer descontos e atenções, mas as máquinas do metro e do tabaco não fazem. Ah pois é!
Era qualquer coisa sobre preços e descontos. Fiquei a pensar nisto, mas como não havia muito para pensar pensei em ti
(porque ainda ontem tirava os lençóis da máquina e ainda encontrei a mancha de rímel
“Continuo a dormir contigo.”)
E a constatação é uma coisa fantástica, a pragmática assente no concreto: uma casa de tijolos
(também pode ser madeira ou betão armado)
[e palha se pensarmos nos três javardos
ah, Alentejo]
não deixa de ser uma casa de tijolos. Com humidade ou sem ela. Com trepadeiras de caruncho parede acima ou abaixo. Mas antes do rímel de dos lençóis e da minha cama
(contigo),
Um euro é um euro e um cêntimo é um cêntimo. Tu podes fazer descontos e atenções, mas as máquinas do metro e do tabaco não fazem. Ah pois é!
A sabedoria com que isto foi dito, a verdade suprema universal e incontestável espantou-me. E como se sentisse confortável com isto, coçou-se em baixo. E ele não fuma. Mas anda de metro. Foi neste ponto que concluí que a pragmática excluía contextos e humanizações e maquinações
(maquinizações?)

Por momentos deixei de ouvir as vozes para me concentrar no barulho dos lençóis quando estamos sobre eles.
Por mim podia ter mesmo saído dali e voltar para ti. Quis lavar dos lençóis o teu cheiro para que as saudades não doessem tanto. Mas uma parte de ti não saiu
(quando sinto as tuas pernas sobre mim, a minha mão e enganchar-te o cheiro da nuca não saiu
talvez dos lençóis, mas não de mim).
Cheira a lavado e a detergente, mas a mancha que a tantos tira-nódoas resistiu está lá. O rímel que me acorda de noite, que me tira do sono. Porque com a cabeça mole e meio morta na almofada vejo a mancha preta que não alastra mas que te devolve a mim, que te faz voltar tantas vezes e para sempre.
Em mim.
Puxo-te pela mancha e já cá estás, e já estão a tuas pernas sobre mim. Ficamos assim. Em silêncio também se conversa tão bem e tens as pupilas tão dilatadas que diria que é de lá que a mancha sai. Da minha almofada para os teus olhos. Mas foi dos teus olhos
(pestanas)
para a minha almofada. Assim tenho-te todas as noites. É por isso que durmo.

Ouve, um euro é um euro e um cêntimo é um cêntimo. Tu podes fazer descontos e atenções, mas as máquinas do metro e do tabaco não fazem. Ah pois é!
“Está calado” (estou a namorar-te a cativar-te e ter-te com todos os sentidos),
Felizmente tenho passe
(e o tabaco ainda não se acabou.)
 
Monday, November 20, 2006
  Eu
Dela.
 
Thursday, November 16, 2006
  Galarina
A minha.

 
Sunday, November 12, 2006
  A tradução dos perdidos
Corria. Não era bem correr, era um passo apressado no corredor da casa de banho. Coçava o nariz e esperava por alguém. Corria e tinha tiques, como se não coubesse dentro do próprio corpo. Foi nessa altura que subi ao andar de cima com o pretexto de ver alguém que não conhecia
(“Vou ali já venho”)
ou
(“Vou ver se encontro alguém que conheço”)
mas acabou por ter que ser
“Vou para casa que amanhã trabalho.”
Corria no corredor da casa de banho de um lado para o outro e não sossegou enquanto não saiu o outro que coçava a cabeça e o nariz e não controlava os movimentos dos braços.
(Envelheci mais um pouco em vez de rcescer. Não sei porquê a noite passada
em que descias o Douro e fui esperar-te ao Tejo
senti que uma pedrinha tinha entrado dentro de mim.)
Não uma pedrinha, um calhau, foda-se. E dos grandes.

Se eu quisesse encontrava neste texto muitas pessoas. Duas, pelo menos. Mais eu, que o escrevo e que ouço vozes a falar e sussurrar através dele.
É verdade rui, agora que penso nisso, estás aqui mesmo em grande! E eu que nunca escrevo asneiras, até tenho vontade de introduzir mais umas quantas, só pelas que dizia no campo de básquete. Mas na escola. Que se lixem os betinhos do liceu, panascas!
Mas deixa lá isso Rui, o que escreveste até escapa. É engraçado, mas isso é só a opinião de uma pessoa que mal sabe escrever e articular as palavras. A mim bastam-me as chaminés e a tasca do Zé Bebé para beber minis a cinquenta cêntimos
(Se ainda as há
“Atã e nã houvera d’haver?”)
mas esta conversa tem que ficar adiada. Porque eu ainda sou pequeno a querer ter opiniões dos grandes. Sou tão pequeno e dou com cada passo que é raro não me espalhar. Por incrível que pareça Rui, ainda tenho feridas a infectar como o Perneta. Mas noutra altura, quando venderes e eu tiver algo para vender.

Não uma pedrinha, um calhau, foda-se. E dos grandes.
Não sei como foi, mas tinham entrado à vez num cubículo da casa de banho enquanto eu fazia fila no urinol
(lembrei-me do Duschamps)
sempre pensei que se iam pôr os dois no cubículo da casa de banho.
Mas deixa isso que acabei em casa, sozinho a onanizar sonhos e exorcizar demónios e a desejar chamar-me Charlotte porque temos imenso em comum,
“I'm under Evelyn Waugh.”
«Evelyn Waugh was a man.»
 
Thursday, November 09, 2006
  Vi-te há dias, Rui!
Vi-te há dias, Rui! Na livraria à procura do teu livro que não estava em nenhum destaque, nem expositor nem nada. Ninguém quis ouvir o que o Lobo Antunes disse sobre ti. Estavas sozinho e reconheci-te.

Ontem falei contigo Rui. Não me importava pá, o que estava a fazer. Compreendo o teu desatino, é uma chatice quando não nos reconhecem o trabalho. Voltavas a andar perdido pela livraria. Mas eu percebo porque conheço Rui; sei como é quando o fumo da fábrica está virado para a cidade e vai chover dentro de algumas horas. Sei como é essa ansiedade, uma tristeza e dolência que se apodera das pessoas e as cola no tempo. Avançam diacronicamente mas morrem sincronicamente. É assim a cidade do coveiro que se envenena e se junta aos tantos que enterrou. E da carolina que levou tantas facadas, mesmo ao lado da casa onde eu vivia, quando tinha cinco anos. É verdade Rui, ainda me lembro dessa merda.
Mas é triste quando fazemos o que tu fizeste. Não te levo a mal, mas fico triste. Pensei que fosses um gajo mais seguro, que te estivesses a cagar para essas intrigas de alcova. É tramada a insegurança e a dor de corno. Mas se te consola, eu ficava na mesma.
Um abraço,

Há vários dias que andava com isto dentro da minha cabeça. Numa livraria vemos imensas coisas, a maioria das quais preferíamos não ver. Esta foi uma das que se passou, com um escritor da minha terra natal, aquela das chaminés altas da fábrica de fazer rolhas. Da que está pronta a fechar.
Sou capaz, daqui a umas horas, de querer apagar e querer modificar. Talvez o faça ou talvez não. Mas para já Rui, dedico-te isto. Noutra altura talvez o trabalhe melhor e desenvolva. Porque mereces.
 
Monday, November 06, 2006
  Vodka e Valium 10
Quem me espera não me espera
Quem me ama já esqueceu
Quem me toca dilacera
Esta estranha Primavera
Que o mês de Maio me deu

Eu já nem sei o que tenho
Se febre, se mal ruim
Se este sentimento estranho
De não ser de onde venho
Comigo longe de mim.

E assim fico sentado
Com as algas a boiar
De queixo na mão pousado
Ó meu barquinho parado
Sem porto para ancorar

Quem me espera não me espera
Quem me ama já esqueceu
Quem me toca dilacera
Esta estranha Primavera
Que o mês de Maio me deu

António Lobo Antunes
 
Wednesday, November 01, 2006
  Tratado falhado – o futebol
Há um ano atrás estava de cama e escrevia sobre o dia de santos e um dia cinzento. Repete-se a história e o vento que enlouquece pessoas no filme apareceu e a minha avó e as velhas foram limpar a campa da minha bisavó. As outras velhas não sei, mas a minha avó foi. Mais a outra avó que foi por flores na campa da mãe que a tratou mal a vida toda. Gosto do cemitério de São João e de Benfica para estes dias, mas hoje não os quero, afasto-os e sento-me, parado, com os olhos no céu cinzento, nos meios da vida e das pessoas.
Hoje é um dia cinzento e eu até me sentia colorido. O Rossio era verde e tresandava a cerveja. E não estava dessa cor, não interessavam os interesses clubísticos, mas o dia. Acho que me sentia bem, estava tempo ameno, não chovia e tudo correu bem a todos.
E no Dia de Santos não se discute religião.
Discute-se futebol e todos ganham.

Falhei nos tratados anteriores. Não sei o que se passou com a criatividade ou as ideias, ou a falta de capacidade para as discutir. Não sei argumentar, seria um péssimo grego. Por várias razões e podemos voltar a buscar o tópico do futebol e as razões pelas quais eu não daria um bom grego. Não tem a ver com retórica
apesar de eu não saber argumentar
tem a ver com o Benfica. E não é o cemitério.
O tratado falhado que também diz respeito ao futebol codifica a minha vontade
e agora já não codifica porque eu a torno explícita
de não voltar a escrever qualquer tratado que seja sobre criatividade e ideias. Porque não sou capaz. O tratado falhado é um protocolo de escrita
sobretudo sobre a literariedade daquilo que escrevo
e não literalidade.

É só.
 
fgautomatica@gmail.com | 'é necessário ter o espírito aberto, mas não tão aberto que o cérebro caia'
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